Inicial
_____________________  
Proposta
_____________________  
Rápidas
_____________________  
Artigos
_____________________

Tribuna de Honra
   _____________________

Processo disciplinar & Sindicância
   _____________________

Tribuna Livre

Referências
_____________________

Bibliográficas
   _____________________

Sítios

Contato

Processo Administrativo
Disciplinar & Comissões
sob Encomenda

 

Processo Administrativo
Disciplinar & Ampla Defesa
3º Edição

 

Matéria
A Chave do Sucesso
Revista Prática Jurídica

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - Enriquecimento ilícito presumido do Agente Público (art. 37, § 4º - CF, art. 9º, caput e inc. VII, Lei 8.429/92)

Sebastião José Lessa

I – ANOTAÇÕES PRELIMINARES

O enriquecimento ilícito presumido foi introduzido na legislação diante daquele quadro bastante preocupante, é dizer, do agente público que exterioriza sinais sugestivos de improbidade administrativa, fato advindo do acréscimo patrimonial flagrantemente incompatível com a correspondente remuneração.

Entre as questões que se têm como prioritárias, é saber, se o aludido comportamento censurável prescinde ou não da vinculação com o cargo exercido; o direito de apresentar contraprova; e o exato alcance do intercâmbio de informação sigilosa frente aos incisos X e XII, art. 5º, da Constituição Federal, matéria ainda debatida no c. Supremo Tribunal Federal (STF, RE 389.808, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 10.05.11, embargos de declaração conclusos; STF, RE 601.314, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, conclusos em 21.10.14).

 

Por oportuno, parece razoável afirmar, com plausível acerto, que a adequada aplicação dos dispositivos contidos nas Leis 8.429/92 e 8.730/93, muito teria contribuído para evitar ou minimizar o desmando, a corrupção e a improbidade administrativa.

 

Concluindo, proveitoso transcrever, no trato da moralidade e da responsabilidade do agente público, o art. 126-A, da Lei nº 8.112/90:

‘’Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública. (Incluído pela Lei nº 12.527, de 2011)’’ (grifei)

I.a. SINDICÂNCIA PATRIMONIAL

Editado com arrimo no art. 13, da Lei nº 8.429/92, o Decreto nº 5.483/05, tratou da sindicância patrimonial e assinalou no art. 7º:

‘’A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio, na forma prevista na Lei no 8.429, de 1992, observadas as disposições especiais da Lei no 8.730, de 10 de novembro de 1993.

Parágrafo único.  Verificada a incompatibilidade patrimonial, na forma estabelecida no caput, a Controladoria-Geral da União instaurará procedimento de sindicância patrimonial ou requisitará sua instauração ao órgão ou entidade competente.’’ (grifei) (Decreto nº 5.483/05, art. 7º e § único)

Concluída a sindicância patrimonial e havendo indícios de patrimônio a descoberto, a autoridade competente determinará a instauração de processo administrativo disciplinar.

I.b. INTERCÂMBIO DE INFORMAÇÃO SIGILOSA

Em seguimento ao Decreto nº 5.483/05, a e. Controladoria-Geral da União emitiu a Portaria MCT/CGU nº 335/06, DOU 31.05.06, especificando as fases e formalidades do procedimento apuratório, inclusive o ‘’intercâmbio de informação sigilosa’’, arts. 16 usque 18 e §§, tema que, em razão dos comandos expressos nos incisos X e XII, do art. 5º, da Carta Política, está sendo debatido no c. Supremo Tribunal Federal (Cf.:STF, RE 389.808, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 10.05.11, embargos de declaração conclusos; STF, RE 601.314, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, conclusos em 21.10.14).

De igual modo eficaz as Leis Complementares n° 104/2001 (sigilo fiscal) e nº 105/2001 (sigilo bancário).

Impende consignar que as questões aqui estudadas o foram com maior amplitude no livro de nossa autoria: ‘’Improbidade administrativa, enriquecimento ilícito, doutrina e jurisprudência, Ed. Fórum/BH, 2011.’’

II. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO PRESUMIDO DO AGENTE PÚBLICO (art. 9º, inc. VII, Lei n. 8.429/92)

A conduta punível do enriquecimento ilícito presumido, ou seja, em linguagem jurídica - em que há presunção; admitido como certo e verdadeiro por presunção - está modelada no inciso VII, art. 9º, acarretando as sanções previstas no art. 12, inc. I e § único, da Lei nº 8.429/92:

‘’Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

(...)

VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.’’ (grifei)

(...)

‘’Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

...

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.’’ (grifei)

 

Em linha de princípio, trata-se de norma de conteúdo singular, eis que induz reconhecer a presunção relativa (juris tantum), mas, como é curial, admite prova em contrário, tudo em harmonia com o art. 5º, inc. LV, da Carta Política.

II.a. DOUTRINA

Com efeito, o enriquecimento ilícito presumido, está formatado no inciso VII, art. 9º, da Lei nº 8.429/92:

‘’VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.’’ (grifei)

O mencionado inciso, como dito, sugere o intitulado e debatido enriquecimento ilícito presumido, ou, na lição de José Armando da Costa, “norma presuntiva de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito.” (grifei) (Contorno jurídico da improbidade administrativa, Ed. Brasília Jurídica, 3ª ed., 2005, págs. 23 e 113).

O Manual de processo administrativo disciplinar editado pela e. Controladoria-Geral da União, 2014, págs. 226/231, dispõe em torno do enriquecimento ilícito presumido:

‘’Em breve resumo, a compatibilidade patrimonial é verificada por meio da apuração dos rendimentos declarados pelo agente à Secretaria da Receita Federal, subtraídas de suas despesas. Caso as despesas (gastos de toda ordem) superem as receitas declaradas, caracteriza-se, em tese, omissão de rendimentos (receitas não declaradas), que indicia possível variação patrimonial sem sustentação em rendas reveladas.’’

 

 

A CONTRAPROVA

 

‘’No apuratório disciplinar, caberá à Administração comprovar a evolução patrimonial desproporcional do agente, no exercício da função pública, para que fique caracterizada presunção relativa de veracidade. Isto é, sendo atestado pela Administração que houve aquisição de bens além do suportado pelos rendimentos legalmente declarados, constitui-se presunção júris tantum (relativa) contra o investigado, que poderá produzir elementos de prova em sentido contrário.’’

 

E segue:

‘’Assinala-se que se mostra desnecessária a comprovação do nexo causal do enriquecimento ilícito com o exercício da função pública. Caso fosse imprescindível tal prova para a caracterização do ilícito comentado, a comissão apuradora teria uma tarefa hercúlea, quase impossível de ser cumprida. Ademais, o inciso VII do art. 9º da Lei nº 8.429/92 é um tipo disciplinar autônomo e específico, independente do caput do mesmo dispositivo. Com isso, não é necessária a comprovação do recebimento de efetiva vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, prevista no caput do art. 9º, para a capitulação da conduta no inciso VII, posto ser independente.’’

 

(...)

 

‘’Por seu turno, foi proposta a criminalização desta conduta no Projeto de Lei nº 5.586/2005, que sugere o acréscimo do art. 317-A ao Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal), nos termos abaixo:

 

Projeto de Lei nº 5.586/2005

Art. 317-A. Possuir, manter ou adquirir, para si ou para outrem, o funcionário público injustificadamente, bens ou valores de qualquer natureza, incompatíveis com sua renda ou com a evolução de seu patrimônio:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.’’

 

(...)

 

‘’Além da existência de dolo do agente, questão relevante a ser verificada no caso concreto é o grau de desproporção na aquisição de bens para com os rendimentos auferidos. Deve-se levar em consideração os princípios da proporcionalidade e razoabilidade na formação do juízo da conformação ou não da conduta no ilícito em questão. Inconsistências de pequena relevância e vinculadas exclusivamente à seara fiscal não devem ser importadas para a seara disciplinar.

 

No plano prático, há infrações fiscais ou erros nas declarações prestadas ao fisco que não implicam em patrimônio a descoberto do agente, consistindo em mera infração tributária ou simples erro de preenchimento. Assim, recomenda-se evitar apressada imputação de irregularidades disciplinares indevidas, devendo a comissão apuradora agir com cautela no apontamento de referida infração, a partir da análise de indicadores precisos e elucidativos de possível variação patrimonial a descoberto (não declarada).

 

A deflagração de procedimento para aferir eventual enriquecimento ilícito por incompatibilidade com a renda pode ser realizada com base em pelo menos três vieses diversos: constatação de evolução patrimonial desproporcional; sinais exteriores de riqueza (gastos além do suportado pelo padrão de rendimentos) e movimentação financeira incompatível.

 

De acordo com o relatado acerca da presunção relativa a favor da Administração, cabe ao investigado fazer prova em sentido contrário à constatação de enriquecimento ilícito. Deve-se destacar, com isso, que é plenamente possível ao agente demonstrar a licitude dos seus ganhos que dariam suporte ao acréscimo patrimonial evidenciado, como por exemplo, recebimento de heranças, prática de atividades privadas, valorização natural de bens que já compõem o patrimônio, etc. Ou seja, o agente precisa demonstrar que o acréscimo patrimonial obtido não decorreu do uso indevido do cargo.’’

 

Por fim, destaque para a Portaria Interministerial – MPOG nº 298/07:

 

‘’ Portaria Interministerial-MPOG/CGU nº 298/07

Art.1° Todo agente público, no âmbito do Poder Executivo Federal, como forma de atender aos requisitos constantes no art. 13 da Lei n° 8.429, 2 de junho de 1992, e no art 1º da Lei nº 8.730, 10 de novembro de 1993, deverá:

I - autorizar o acesso, por meio eletrônico, às cópias de suas Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física, com as respectivas retificações, apresentadas à Secretaria da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Fazenda; ou

II - apresentar anualmente, em papel, Declaração de Bens e Valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no Serviço de Pessoal competente.

[...]

§ 3° Uma vez autorizado o acesso à Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física, na forma de inciso I deste artigo, não haverá necessidade de renovação anual da autorização.

§ 4° O agente público poderá cancelar a autorização prevista no inciso I deste artigo, passando a entregar a Declaração de Bens e Valores anualmente em papel, na forma do inciso II.

[...]

Art. 5° As informações apresentadas pelo agente público ou recebidas da Secretaria da Receita Federal do Brasil serão acessadas somente pelos servidores dos órgãos de controle interno e externo para fins de análise da evolução patrimonial do agente público. (Grifos nossos).’’

(grifei)

 

Na análise do tipo, registra a lição de Waldo Fazzio Júnior: ‘’O agente público que adquire para si ou para terceiro, bens de valor desproporcional a sua evolução patrimonial ou aos seus estipêndios, no exercício de posição administrativa, é o alvo do art. 9º, VII, porque o acréscimo que aufere não tem causa conhecida.’’ (grifei)

E mais: ‘’Retrilhando o percurso, o inc. VII não tem vida própria; é mera exemplificação do caput do art. 9º. Neste está gravada a conduta típica; nele deve encaixar-se a ação tida por ilícita. Por isso, a conduta ilícita deve ocorrer em razão do exercício do cargo, função, emprego ou mandato. A causa determinante do enriquecimento é a condição funcional do agente. Ou não se trata de improbidade administrativa.’’ (grifei)

E continua: ‘’De tal arte que, se incumbe ao Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada formalizar a pretensão condenatória do agente público, cabe-lhe exibir as provas necessárias, expostas ao contraditório e a ampla possibilidade de defesa. Suspeitas e presunções não constituem causa de pedir em ação civil de improbidade administrativa ou qualquer outra. Ao réu compete a contradição e esta pressupõe imputação que deva ser contraditada. Sem a imputação do ato de improbidade, não há como contestar nem o que contestar.’’ (grifei) (Improbidade administrativa, Ed. Atlas, SP, 2ª ed., 2014, págs. 177 a 181)

A bem de ver, a figura do enriquecimento ilícito presumido (art. 9º, VII, Lei nº 8.429/92), segundo parte da doutrina, não transmite a razoável segurança jurídica que emerge da convergência de opiniões.

Nessa perspectiva, a lição de Marcelo Figueiredo:

‘’Normalmente, os agentes públicos ímprobos utilizam-se de técnicas e operações bem mais sofisticadas para não deixar vestígios de seus atos. Costumam realizar operações financeiras no exterior, iniciam operações com empresas ‘fantasmas’ etc. Contudo, existem inúmeros casos tais como os previstos na norma em exame’’. (grifei)

E segue:

‘’Existe na lei uma presunção de enriquecimento ilícito, situação muito similar às hipóteses previstas na legislação do imposto de renda, alusivas aos ‘sinais exteriores de riqueza’’. (grifei) (Probidade administrativa. Comentários à Lei n. 8.429/92 e legislação complementar, Ed. Malheiros, SP, 4ª ed., 2000, p. 75-76)

A obra de Hely Lopes Meirelles, no exame do inciso VII, art. 9º, Lei nº 8.429/92, assegura:

‘’merece destaque, dado seu notável alcance pois inverte o ônus da prova, sempre difícil para o autor da ação em casos como o descrito pela norma. Nessa hipótese, quando desproporcional, o enriquecimento é presumido como ilícito, cabendo ao agente público a prova de que ele foi lícito, apontando a origem dos recursos necessários à aquisição’’. (grifei) (Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Direito administrativo brasileiro, Ed. Malheiros, SP, 38ª ed., 2012, p. 563)

De igual modo, abordando o citado inciso VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, a doutrina de Fábio Medina Osório:

‘’Com a devida vênia, o legislador (leia-se: vontade objetivada na lei) previu figura autônoma e independente que caracteriza improbidade administrativa no art. 9º, VII, da Lei número 8.429/92, evitando que o agente público possa manchar a imagem do Estado perante a sociedade, ostentando, com ares de impunidade, riqueza material incompatível com seus vencimentos e bens.

Emerge, assim, presentes os requisitos do art. 9º, inciso VII, da Lei número 8.429/92, uma espécie autônoma de improbidade: o enriquecimento sem causa aparente do agente público, o qual deveria, desde a posse, justificar seu patrimônio e rendimentos, atualizando-os, por declaração, anualmente. (...)

A questão, saliento, parece terminológica: não se deve falar em inversão de ônus de prova. Mas cabe ao autor provar, tão somente, a desproporção entre os rendimentos e a riqueza material do agente público, de tal sorte que essa desproporção — quando devidamente comprovada — acarreta incidência do tipo do enriquecimento ilícito, porque, de fato, é ilícito tal espécie de enriquecimento no curso do exercício de função pública, dada a exigência de transparência do sistema, que controla, rigorosamente, declarações de bens e rendimentos dos agentes públicos’’. (grifei) (Improbidade administrativa. Observações da Lei n. 8.429/92, Ed. Síntese, PA, 2ª ed., 1998, p. 188-189)

E ainda em outra obra, diz Fábio Medina Osório:

“(...) o art. 9º, ‘caput’, da Lei 8.429/92 abrange conceito jurídico indeterminado e é cláusula geral que alcança as hipóteses não contempladas nos incisos do mesmo dispositivo legal, tanto que a redação desses últimos guarda autonomia em relação à base.

O art. 9º, em seus múltiplos incisos, cria figuras de improbidade administrativa autônomas, podendo ampliar ou restringir os requisitos de responsabilização, dependendo dos suportes descritivos, que são independentes e, por si sós, autoaplicáveis.” (grifei) (Fábio Medina Osório, Direito administrativo sancionador, pg. 509, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005).

 

Mauro Roberto Gomes de Mattos pondera quando se cogita da inversão do ônus da prova:

‘’A doutrina é dividida, entendendo a primeira corrente, a qual me filio, que Administração Pública deverá provar que a elevação desproporcional do patrimônio do agente público derivou do exercício irregular ou abusivo da função exercida”.(grifei).

 

E diz mais, que a inversão do ônus da prova só ocorre em nosso direito positivo em situações especialíssimas de relevante interesse público ou de proteção a hipossuficientes, como verbi gratia: Código do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e Lei de Proteção ao Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81). E cita jurisprudência: TJ/MG Ap. Cível nº 1.0137.03.900294-4/001, 1ª CC, DJ, 04.06.04; TJ/MG, Ap. Cível nº 1.0433.04903-7/001, 5ª CC, DJ, 13.03.04 (O limite da improbidade administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. p. 2010-2011).

De valiosa ajuda as considerações de Wallace Paiva Martins Júnior:

‘’A grande vantagem do art. 9º, VII, é que ele é norma residual para a punição do enriquecimento ilícito no exercício de função pública. De fato, se não se prova a prática ou a abstenção de qualquer ato de ofício do agente público que enriqueceu ilicitamente, satisfaz o ideário da repressão à moralidade administrativa provar que seu patrimônio tem origem inidônea, incompatível, desproporcional (...).” (grifei) (Wallace Paiva Martins Júnior, Probidade Administrativa, pgs. 195 e 198, Editora Saraiva, 1ª edição, 2001).

 

Em verdade, a figura do enriquecimento ilícito presumido (art. 9º, inc. VII, Lei nº 8.429/92), embora expressiva e fecunda, repita-se, não consegue, de maneira razoável, transmitir a necessária segurança jurídica, própria da convergência de opiniões, sobretudo se o enriquecimento ilícito reclama ou não a vinculação com o ato de ofício.

 

Como estímulo ao debate e reflexão, a decisão do c. Superior Tribunal de Justiça:

 

‘’6. A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar, necessária e diretamente, vinculada com o exercício do cargo público. Com efeito, mesmo quando a conduta é perpetrada fora das atividades funcionais, se ela evidenciar incompatibilidade com o exercício das funções do cargo, por malferir princípios basilares da Administração Pública, é sim passível de punição na esfera administrativa, inclusive com a pena máxima de demissão, mormente como no caso em apreço em que o servidor, Auditor Fiscal da Receita Federal, apresenta enriquecimento ilícito, por acumular bens desproporcionais à evolução do patrimônio e da renda – fato esse, aliás, que também está em apuração na esfera penal –, remetendo significativo numerário para conta em banco na Suíça, sem a correspondente declaração de imposto de renda. Inteligência do art. 132, inciso IV, da Lei n.º 8.112/90, c.c. o art. 11 da Lei n.º 8.429/92.

7. Segurança denegada. Agravo regimental prejudicado.’’ (grifei) (STJ, MS 12.536, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 26.09.08)

 

Apropositado dizer que a citada decisão (STJ, MS 12.536), foi mantida em grau de recurso pelo c. Supremo Tribunal Federal (STF, RMS 28.919 DF, julg. em 16.12.14).

 

Malgrado as divergências doutrinárias, a bem dizer, para o agente público, a conduta censurável do enriquecimento ilícito a descoberto, ou seja, sem causa legítima, caracteriza-se pelo fato de acumular bens desproporcionais à evolução do patrimônio e da renda.

 

Por fim, o entendimento que não pode ser sumariamente relegado, diante dos sustentáveis fundamentos:

 

‘’A tese jurídica de que a Administração não tem a potestade de aplicar a pena de demissão aos seus servidores, quando a infração a eles imputada é a de improbidade administrativa, reveste-se de inquestionável relevância jurídica e cuida de afirmar que a aplicação dessa sanção (demissão por ato de improbidade) ficou regulada inteiramente na Lei 8.429/92, de maneira que a subsunção genérica de ato de improbidade prevista na Lei 8.112/90 (art. 132, IV) foi revogada por essa lei.’’ (grifei) (Napoleão Nunes Maia Filho e Mário Henrique Goulart Maia, Improbidade administrativa – breves estudos sobre a justa causa e outros temas relevantes de direito sancionador, Ed. Corumim, Fortaleza, Ceará, 2014, pág. 201).

 

Pelo visto, a figura do enriquecimento ilícito presumido (art. 9º, inc. VII, Lei nº 8.429/92), embora expressiva e fecunda, repita-se, não consegue, de maneira razoável, transmitir a necessária segurança jurídica, própria da convergência de opiniões, sobretudo se o enriquecimento ilícito reclama ou não a vinculação com o ato de ofício.

 

II.b. JURISPRUDÊNCIA

 

O c. Tribunal Regional Federal, enfrentando o tema evolução patrimonial a descoberto do agente público, assim decidiu:

 

‘’PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. AÇÃO CAUTELAR. ARRESTOS DOS BENS IMÓVEIS. EVOLUÇÃO PATRIMONIAL. GRANDE VARIAÇÃO. 
1. A evolução patrimonial do agente público, há de estar de acordo com o seu ganho, com suas rendas. Havendo grande divergência, em princípio, presente está o fumus boni iuris demonstrando que houve enriquecimento ilícito.

2. Insurgindo-se o servidor, ainda que evidenciado o fumus boni iuris, em favor da administração pública da grande variação patrimonial do agentes, sem lastro legal, cabe, a ele demonstrar o perigo que corre com o arresto dos seus bens imóveis - o periculum in mora. 
3. Discriminação, na inicial da ação cautelar (autos 2006.34.00.036812-7) dos bens possivelmente adquiridos sem amparo legal.’’ (grifei) (TRF 1ª R., AG 2007.01.00.008445 7 DF, Rel. Des. Federal Tourinho Neto, DJ 15.06.07)

(...)

 

‘’ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. SERVIDORES PÚBLICOS. RECEITA FEDERAL DO BRASIL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DOLO. COMPROVAÇÃO. ATO ÍMPROBO. EXISTÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA.

(...)

3. É inegável que por meio da assessoria tributária os servidores/apelados fizeram fortuna, conforme se constata pela acentuada evolução patrimonial de ambos, fato este devidamente comprovado nos autos e confirmado pelos próprios Recorridos. 
4. In casu, não há como ilidir a aplicação da moldura normativa em relação a parte ré, que se valeu do conhecimento e das informações obtidas no desempenho de seu cargo, bem assim do prestígio de que dispunha à época na Receita Federal do Brasil e assinou contrato de prestação de serviços com a empresa privada contra os interesses de seu órgão de lotação, Receita Federal do Brasil.
(grifei) (TRF 1ª R., AC 2007.34.00.032426-7, Rel. Des. Federal Ney Bello, DJF1 22.08.14).

(…)

 

‘‘Com efeito, nesta figura, o ato de improbidade não está condicionado à prova e individualização de um comportamento descrito no tipo genérico do ‘’caput’’. Tal comportamento se presume pelo fato objetivo de ser apurada a aquisição de ‘‘bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou renda do agente público.’’ O tipo do inciso VII exige uma aferição objetiva de diferença de bens e valores durante determinado período de tempo.’’ (grifei) (TJSP, Apelação nº 0018566-33.2013.8.26.0053, Rel. Des. Laerte Sampaio, Terceira Câmara de Direito Público, julg. 12.04.11).

 

III. DIREITO DE DEFESA (art. 5º, inc. LV, CF)

De início, é necessário consignar que no trato com os direitos e garantias fundamentais de primeira geração (art. 5º, inc. LV, CF), está escrito que: ‘’aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.’’ (grifei) (Cf.: STJ, RMS 10.574-DF, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02).

Nesse contexto, não há como negar o direito de defesa (art. 5º, LV, CF), mesmo na fase da sindicância patrimonial, na interpretação inclusive do art. 8º, caput, do Decreto nº 5.483/05, que destaca como pressuposto para a instauração da mencionada investigação, o ‘’conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito’’, circunstância que demonstra já existente a figura da ‘’litigância’’.

III.a. A PROVA

Como é correntio, o processo é o instrumento da jurisdição, e esta, a dicção do direito (Hélio Tornaghi, Compêndio de processo penal, Ed. José Konfino, RJ, 1967, t.I, pág. 212).

E a atividade probatória, ao longo do processo, alinhada ao devido processo legal, almeja sobretudo a demonstração da verdade.

Por sua vez, a verdade, na expressão da doutrina, ‘’é a conformidade da noção ideológica com a realidade, enquanto certeza é a crença nessa conformidade, provocando um estado subjetivo do espírito ligado a um fato, ainda que essa crença não corresponda à verdade objetiva.’’ (grifei) (Nicola Framarino Dei Malatesta. A Lógica das provas em matéria criminal, Ed. Bookseller, Campinas SP, vol. I, 1996, pág. 21; Guilherme de Souza Nucci, CPP Comentado, Ed. RT, SP, 10ª ed., 2011, pág. 356).

Na lição de Eugenio Florian, ‘’Provar é fornecer, no processo, o conhecimento de qualquer fato, adquirindo, para si, e gerando noutrem, a convicção da substância ou verdade do mesmo fato.’’ (grifei) (E. Magalhães Noronha, Curso de direito processual penal, Ed. Saraiva, SP, 1979, pág. 87).

Coerente com essas acertivas, no plano do direito processual disciplinar, dispõe o art. 161 e § 3º, da Lei nº 8.112/90:

‘’Art. 161.  Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas.

(...)

§ 3o O prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis.’’ (grifei)

 

É que, com arrimo no art. 5º, inc. LV, da Carta Política, ‘’a possibilidade de rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações de fatos, interpretações jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos, não pode ser restrita.’’ (grifei) (STJ, MS 6.478 DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00).

 

 

III.a.1. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – PROVA e CONTRAPROVA

 

Nesse contexto, enfatizando a prova do enriquecimento ilícito presumido (inc. VII, art. 9º, Lei nº 8.429/92), ficou assentado:

 

‘’No apuratório disciplinar, caberá à Administração comprovar a evolução patrimonial desproporcional do agente, no exercício da função pública, para que fique caracterizada presunção relativa de veracidade. Isto é, sendo atestado pela Administração que houve aquisição de bens além do suportado pelos rendimentos legalmente declarados, constitui-se presunção juris tantum (relativa) contra o investigado, que poderá produzir elementos de prova em sentido contrário.’’ (Manual de processo administrativo disciplinar, Controladoria-Geral da União, 2014, pág. 226)

 

III.a.2. VINCULAÇÃO DO ATO CENSURÁVEL COM O EXERCÍCIO DO CARGO - DEBATE

 

A par das considerações, onde se prioriza para o juízo de censura a vinculação do enriquecimento ilícito com o ato de ofício, tem-se entendido como sustentável a natureza singular do tipo encartado no inciso VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, que se perfaz tão-somente com o patrimônio a descoberto, ou seja, injustificado, independentemente da vinculação da conduta ao exercício da função pública (STJ, MS 12.536 DF, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 26.09.08).

 

Em consonância com esse entendimento, a doutrina e a jurisprudência: Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, SP, 38ª ed., 2012, pág. 563; TJSP, Apelação nº 0018566-33.2013.8.26.0053, Rel. Des. Laerte Sampaio, Terceira Câmara de Direito Público, julg. 12.04.11.

 

De igual modo, a orientação exarada no Manual de Processo Administrativo Disciplinar editado pela e. Controladoria-Geral da União, Brasília, 2014, pág. 226/7:

 

‘’Assinala-se que se mostra desnecessária a comprovação do nexo causal do enriquecimento ilícito com o exercício da função pública. Caso fosse imprescindível tal prova para a caracterização do ilícito comentado, a comissão apuradora teria uma tarefa hercúlea, quase impossível de ser cumprida. Ademais, o inc. VII do art. 9º, da Lei nº 8.429/92 é um tipo disciplinar autônomo e específico, independente do caput do mesmo dispositivo. Com isso, não é necessária a comprovação do recebimento de efetiva vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, prevista no caput do art. 9º, para a capitulação da conduta no inciso VII, posto ser independente.’’ (grifei)

Em arremate, o pronunciamento da e. Advocacia-Geral da União, no parecer aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, em 26.01.98 (parecer não publicado).

 

AGU – Parecer CG 136, de 26.08.98 (Proc. nº 03000.005894/95-10): ‘’EMENTA: A penalidade do servidor deve adstringir-se às faltas sobre as quais existam, nos autos, elementos de convicção capazes de imprimir a certeza quanto à materialidade da infração e à autoria. No processo disciplinar, o ônus da prova incumbe à Administração.’’ (grifei)

 

Porém, vale acrescentar, na linha do princípio da verdade material, que cabe ao imputado a prova da procedência lícita do patrimônio tido como descoberto. (Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Direito administrativo brasileiro, Ed. Malheiros, SP, 38ª ed., 2012, p. 563).

 

III.b. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA GERAÇÃO OU DIMENSÃO

Inspirados no preâmbulo da Carta Política de 1988, é dito que ‘’Os direitos fundamentais de primeira dimensão são os ligados ao valor liberdade, são os direitos civis e políticos. São direitos individuais com caráter negativo por exigirem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal destinatário.’’ (grifei) (Marcelo Novelino, Direito Constitucional, Ed. Método, SP, 3ª ed., 2009, págs. 362/364 in Denise Cristina Montovani Cera, Rede de Ensino Luiz Fl ávio Gomes).

 

Os direitos de primeira geração ou dimensão, ‘’se caracterizam pela imposição de defesa contra as possíveis ingerências e abusos do Estado. São exemplos de direitos fundamentais de primeira geração o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à participação política e religiosa, à Inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, entre outros.’’ verbis:

 

‘’Por serem repressores do poder estatal, os direitos fundamentais de primeira geração são reconhecidos como direitos negativos, liberdades negativas ou direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado. (Alexandrino, Paulo, 2012, pág. 102)’’ (grifei) (Breno De Paula Milhomen in Direitos de primeiro e segunda geração no Estado democrático de direito, Juris Way – Sistema Educacional Online).

 

Antônio Truyol Y Serra, a propósito, ‘’posiciona-se no sentido de que a consciência clara e universal de tais direitos é própria dos tempos modernos, o que nem sempre é reconhecido pelos estudiosos. Em decorrência das Revoluções americana e francesa, pois, várias Declarações dos Direitos foram firmadas, inicialmente de caráter apenas nacional, mas, logo a seguir de alcance universal como foram a Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) (Inocêncio Mártires Coelho, Direitos individuais e coletivos de 1988, Revista de Informação Legislativa nº 115, jul a set/1992 in Maria Eliza Visenta Olmos Serrador, Breves Apontamentos acerca dos direitos fundamentais - Procuradora da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Coordenadora da área de consultoria administrativa de licitações e contratos).

 

Nesse contexto o c. Superior Tribunal de Justiça, julgando questão debatida em face de “aumento do patrimônio de um funcionário público que exceda de modo significativo sua renda legítima durante o exercício de suas funções e que não possa justificar razoavelmente’’, reconheceu o direito de defesa:

 

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. ABERTURA DA SINDICÂNCIA. DIREITO-DEVER DA ADMINISTRAÇÃO. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SUPERIOR A PATRIMÔNIO E RENDA DECLARADOS. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE. JUSTA CAUSA. ORDEM DENEGADA.

1. A abertura de sindicância constitui direito-dever da Administração que, em tese, não fere direito líquido e certo do servidor. Inteligência do art. 143, da Lei nº. 8.112/90 e art. 11, inc. II, da Lei 8.429/92.

2. Tendo em vista os princípios da boa-fé e da segurança jurídica e, ainda, a repercussão negativa na esfera funcional, familiar e pessoal do servidor público, mostra-se indispensável a necessidade de justa causa para a abertura de sindicância ou processo disciplinar.

3. Havendo indícios de que a movimentação financeira de servidor público mostra-se incompatível com a renda e patrimônio declarados, cabe à autoridade competente apurar a suposta irregularidade, porquanto dela pode originar a prática de ilícito administrativo.

4. Segurança denegada”. (grifei) (STJ, MS 10.442-DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 26.09.05).

 

A propósito, o art. 143, da Lei n. 8.112/90, citado no acórdão aqui colacionado, está assim redigido:

 

‘’Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa’’. (grifei)

 

Em tais condições, é bom redizer, que aos ‘’litigantes’’ e aos ‘’acusados em geral’’, são afiançados o contraditório e a ampla defesa, como assegura o art. 5º, inc. LV, da Carta Política.

 

Nesse rumo, a jurisprudência garante – tendo como referência o art. 5º, inc. LV, da Carta Política –, “a possibilidade de rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações de fatos, interpretações jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos, não pode ser restrita’’. (grifei) (STJ, MS 6.478-DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00).

 

E ainda:

 

‘’II - A Constituição da República (art. 5º, LIV e LV) consagrou os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, também, no âmbito administrativo. A interpretação do princípio da ampla defesa visa a propiciar ao servidor oportunidade de produzir conjunto probatório servível para a defesa.’’ (grifei) (STJ, RMS 10.574, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02) (Cf.: Sebastião José Lessa, Do processo administrativo disciplinar e da sindicância, Ed. Fórum, 5ª ed. 1ª reimpressão, 2011, págs. 177/178).

 

Em complemento, está escrito no Manual de processo administrativo disciplinar, editado pela Controladoria-Geral da União, Brasília, 2014, pág. 226:

 

‘’...Isto é, sendo atestado pela Administração que houve aquisição de bens além do suportado pelos rendimentos legalmente declarados, constitui-se presunção juris tantum (relativa) contra o investigado, que poderá produzir elementos de prova em sentido contrário.’’

 

Portanto, não há como negar o amplo direito de defesa.

 

 

IV. CONCLUSÃO

 

Diante de tais considerações, fundamentadas na doutrina e na jurisprudência, conclui-se:

a) O enriquecimento ilícito presumido, como é sabido, foi introduzido na legislação diante daquele quadro bastante preocupante, é dizer, do agente público que exterioriza sinais sugestivos de improbidade administrativa, fato advindo do acréscimo patrimonial flagrantemente incompatível com a correspondente remuneração;

b) Entre as questões que se têm como prioritárias, é saber, se o aludido comportamento censurável prescinde ou não da vinculação com o cargo exercido; o direito de apresentar contraprova; e o exato alcance do intercâmbio de informação sigilosa frente aos incisos X e XII, art. 5º, da Constituição Federal, Leis Complementares nº 104/2001 (sigilo fiscal) e nº 105/2001 (sigilo bancário), matéria ainda debatida no c. Supremo Tribunal Federal (STF, RE 389.808, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 10.05.11, embargos de declaração conclusos; STF, RE 601.314, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, conclusos em 21.10.14);

c) ‘’A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio, na forma prevista na Lei no 8.429, de 1992, observadas as disposições especiais da Lei no 8.730, de 10 de novembro de 1993.

Parágrafo único.  Verificada a incompatibilidade patrimonial, na forma estabelecida no caput, a Controladoria-Geral da União instaurará procedimento de sindicância patrimonial ou requisitará sua instauração ao órgão ou entidade competente.’’ (grifei) (Decreto nº 5.483/05, art. 7º e § único);

d) A conduta punível do enriquecimento ilícito presumido, ou seja, em linguagem jurídica - em que há presunção; admitido como certo e verdadeiro por presunção - está modelada no inciso VII, art. 9º, acarretando as sanções previstas no art. 12, inc. I e § único, da Lei nº 8.429/92;

e) ‘’Merece destaque, dado seu notável alcance pois inverte o ônus da prova, sempre difícil para o autor da ação em casos como o descrito pela norma. Nessa hipótese, quando desproporcional, o enriquecimento é presumido como ilícito, cabendo ao agente público a prova de que ele foi lícito, apontando a origem dos recursos necessários à aquisição’’. (grifei) (Hely Lopes Meirelles, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Direito administrativo brasileiro, Ed. Malheiros, SP, 38ª ed., 2012, p. 563)

De igual modo, abordando o citado inciso VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, a doutrina:

 

“(...) o art. 9º, ‘caput’, da Lei 8.429/92 abrange conceito jurídico indeterminado e é cláusula geral que alcança as hipóteses não contempladas nos incisos do mesmo dispositivo legal, tanto que a redação desses últimos guarda autonomia em relação à base.

O art. 9º, em seus múltiplos incisos, cria figuras de improbidade administrativa autônomas, podendo ampliar ou restringir os requisitos de responsabilização, dependendo dos suportes descritivos, que são independentes e, por si sós, autoaplicáveis.” (grifei) (Fábio Medina Osório, Direito administrativo sancionador, pg. 509, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005).

 

f) ‘’6. A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar, necessária e diretamente, vinculada com o exercício do cargo público. Com efeito, mesmo quando a conduta é perpetrada fora das atividades funcionais, se ela evidenciar incompatibilidade com o exercício das funções do cargo, por malferir princípios basilares da Administração Pública, é sim passível de punição na esfera administrativa, inclusive com a pena máxima de demissão, mormente como no caso em apreço em que o servidor, Auditor Fiscal da Receita Federal, apresenta enriquecimento ilícito, por acumular bens desproporcionais à evolução do patrimônio e da renda – fato esse, aliás, que também está em apuração na esfera penal –, remetendo significativo numerário para conta em banco na Suíça, sem a correspondente declaração de imposto de renda. Inteligência do art. 132, inciso IV, da Lei n.º 8.112/90, c.c. o art. 11 da Lei n.º 8.429/92. 7. Segurança denegada. Agravo regimental prejudicado.’’ (grifei) (STJ, MS 12.536, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 26.09.08)

 

Apropositado dizer que a citada decisão (STJ, MS 12.536), foi mantida em grau de recurso pelo c. Supremo Tribunal Federal (STF, RMS 28.919 DF, julg. em 16.12.14);

 

g) Vale consignar, que no trato com os direitos e garantias fundamentais de primeira geração (art. 5º, inc. LV, CF), está escrito que: ‘’aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.’’ (grifei) (Cf.: STJ, MS 6.478-DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 29.05.00); STJ, RMS 10.574, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04.02.02;

Nesse rumo, está dito no Manual de processo administrativo disciplinar, editado pela Controladoria-Geral da União, Brasília, 2014, pág. 226:

 

‘’No apuratório disciplinar, caberá à Administração comprovar a evolução

patrimonial desproporcional do agente, no exercício da função pública, para que fique caracterizada presunção relativa de veracidade. Isto é, sendo atestado pela Administração que houve aquisição de bens além do suportado pelos rendimentos legalmente declarados, constitui-se presunção júris tantum (relativa) contra o investigado, que poderá produzir elementos de prova em sentido contrário. (grifei);

 

h) Antônio Truyol Y Serra, a propósito dos direitos fundamentais, ‘’posiciona-se no sentido de que a consciência clara e universal de tais direitos é própria dos tempos modernos, o que nem sempre é reconhecido pelos estudiosos. Em decorrência das Revoluções americana e francesa, pois, várias Declarações dos Direitos foram firmadas, inicialmente de caráter apenas nacional, mas, logo a seguir de alcance universal como foram a Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) (Inocêncio Mártires Coelho, Direitos individuais e coletivos de 1988, Revista de Informação Legislativa nº 115, jul a set/1992 in Maria Eliza Visenta Olmos Serrador, Breves Apontamentos acerca dos direitos fundamentais - Procuradora da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Coordenadora da área de consultoria administrativa de licitações e contratos).

 

Nesse contexto, não há como negar o direito de defesa (art. 5º, inc. LV, CF), ainda na fase da sindicância patrimonial, pela inteligência do art. 8º, caput, do Decreto nº 5.483/05:

 

‘’Art. 8o Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9o da Lei no 8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.’’

 

Portanto, milita como pressuposto para a instauração da mencionada investigação, é dizer, ‘’conhecimento de fundada notícia e indícios de enriquecimento ilícito’’, circunstância que demonstra já existente a figura da ‘’litigância’’, e o direito de defesa, como é cediço, é afiançado aos litigantes e aos acusados em geral.

 

Brasília, 16 de janeiro de 2015.

 

Autor: Sebastião José Lessa (OAB/DF 11.364)

Membro do Conselho Diretor da ADPF – Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal.

 

 

Autor dos livros:

 

Do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância, Ed. Fórum/BH/MG, 5ª ed., 2009, 1ª reimpressão - 2011; Temas Práticos de Direito Administrativo Disciplinar, Ed. Brasília Jurídica, 2005 (esgotado); O Direito Administrativo Disciplinar Interpretado pelos Tribunais, Ed. Fórum, BH/MG, 2008; A Improbidade Administrativa, Enriquecimento Ilícito, Sequestro e Perdimento de Bens, Ed. Fórum, BH/MG, 2011;

Juristas do Mundo, vários autores, Ed. Rede, Brasília/DF, 2012, págs. 125/135; Direito Disciplinar Aplicado, Ed. Fórum/BH, 2015 (no prelo).

 

 

 

 

ÍNDICE DAS MATÉRIAS

 

 

I – ANOTAÇÕES PRELIMINARES

I.a. SINDICÂNCIA PATRIMONIAL

I.b. INTERCÂMBIO DE INFORMAÇÃO SIGILOSA

II. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO PRESUMIDO DO AGENTE PÚBLICO (art. 9º, inc. VII, Lei n. 8.429/92)

II.a. DOUTRINA

II.b. JURISPRUDÊNCIA

 

III. DIREITO DE DEFESA (art. 5º, inc. LV, CF)

III.a. A PROVA

III.a.1. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – PROVA e CONTRAPROVA

 

III.a.2. VINCULAÇÃO DO ATO CENSURÁVEL COM O EXERCÍCIO DO CARGO - DEBATE

 

III.b. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA GERAÇÃO OU DIMENSÃO

 

IV. CONCLUSÃO